“Eu batizo com água; mas, no meio de vós, já está quem vós não conheceis. Ele é aquele que vem depois de mim, cujas correias das sandálias não sou digno de desamarrar.”
– João (1:26-27)
O batismo de Jesus tem gerado diversas interpretações e discussões.
Desde a Antiguidade que o batismo tem um simbolismo e continua a ser utilizado por diferentes religiões. De um modo geral, representa o momento de iniciação espiritual, traduzindo a transformação moral que decorrerá daí para diante, assinalando uma nova fase da vida. Significa a morte do Homem Velho e o surgimento do Homem Novo. Desde épocas remotas, o batismo é realizado através de fórmulas e rituais (abluções), sendo os mais frequentes, os banhos purificadores (nas regiões orientais é realizado nos rios sagrados do Eufrates e Ganges), aspersões e imersões, que preparam os crentes para o culto das suas divindades [1].
Ao tempo de Jesus, o batismo era uma tradição na religião judaica. O povo praticava cerimónias de ablução, sendo a mais importante a imersão num micvê, ou piscina de água corrente. Todos os convertidos ao judaísmo necessitam da lavagem cerimonial através dessa imersão [2].
Porém, João (cujo cognome é Batista) praticava um novo ritual da ablução, uma vez que quem era batizado não imergia sozinho na água, mas recebia a água das mãos de um perito religioso, ou era imerso por este. João também não batizava somente os pagãos (não judeus). Muitos judeus foram por ele batizados, no rio Jordão, da mesma forma que os pagãos, o que para muitos era considerado uma ofensa à crença judaica.
Temos de enquadrar este batismo na pregação que João fazia: “Arrependei-vos, porque é chegado o Reino dos Céus” (Mt 3:14). Ele pregava as primícias do Reino de Deus com o batismo do arrependimento real e profundo, da transformação moral, que significa a mudança do comportamento vicioso, para outro de características mais condizentes com as leis divinas [3].
No entanto, a tendência das criaturas humanas é transformar o caminho evolutivo que exige esforço, sacrifício e renúncia, em atos litúrgicos rígidos, que vão perdurando erradamente ao longo dos séculos [1].
Se nos determos um pouco, raciocinando sobre o batismo, que seria o símbolo da purificação, constatamos que se a purificação é externa (do corpo), então a água é o principal componente para a limpeza, contribuído também para a saúde e bem-estar. Mas, se a purificação é interior (da alma ou do Espírito), o ritual do batismo não tem qualquer sentido, pois a purificação do espírito consiste na sua modificação íntima, que pressupõe uma consciencialização evangélica/espiritual. Também é percetível, que essa mudança interior do ser é um processo que demora o seu tempo, pois vai depender da vontade e do esforço empregues, envolvendo várias existências e diferentes experiências. Logo, não será com uma ligeira cerimónia que se modifica a personalidade do espírito, purificando-o.
Então, por que Jesus foi batizado?
Vamos encontrar essa explicação nos quatro Evangelhos, sendo os textos muito idênticos. Apenas João, o apóstolo amado, apresenta mais informações. Fica patente que o Batista não sabia quem era o Messias, sendo a sua missão anunciar a Sua chegada, preparando as consciências do povo para a Boa Nova de Jesus.
O batismo de Jesus representa o momento em que o Meigo Rabi se apresenta a todos como o Messias aguardado, marcando, assim, o início da sua missão na Terra.
Na Bíblia de Jerusalém vamos encontrar a seguinte explicação: “Conforme tradições judaicas, o Messias, que ninguém distinguia de outros homens, devia permanecer desconhecido até ao dia em que seria manifestado como Messias, por Elias que havia voltado à Terra (Mt 3:23-24; Jo 5:35)”. Compreende-se, então, que o papel de João era, ainda, o de identificar Jesus como o Salvador aguardado.
Jesus não veio destruir a Lei, como referiu, por isso, na execução da sua Missão, sempre cumpriu as tradições e normas da época e o que diziam as profecias. Foi o que fez, também, nesta ocasião.
Jesus nunca batizou ninguém (Jo 4-2), quando auxiliava alguém sempre lhe dizia que não voltasse a errar, a fim de que não lhe sucedesse algo pior. O Espiritismo vem, então, libertar o ser humano da adoção de símbolos, rituais e cultos externos, ensinando-o a cultivar os valores espirituais e ampliando-lhe a visão espiritual e compreensão da vida. Está, portanto, em conformidade com o exemplo de Jesus.
REFERÊNCIAS
[1] Marta A. O. Moura (Org.), O Evangelho Redivivo, Livro II – Estudo Interpretativo do Evangelho de Mateus, 1.ª Edição, FEB, Tema 8, 2021.
[2] Severino C. da Silva, O Evangelho e o Cristianismo Primitivo, 7.ª Ed., Ideia, Cap. V, 2016.
[3] Divaldo P. Franco, Vivendo com Jesus, pelo espírito de Amélia Rodrigues, 1.ª Edição, LEAL, Cap. 2 – Tormentosa expectativa, 2012.
Por Paulo Costeira